Artigo de opinião
Quantos pobres são necessários para se produzir um rico?
«E eu pergunto aos economistas, políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?»
Almeida Garret
Passaram tantos anos, mas a descrição dos nossos intelectuais mais contemporâneos, sobre a nossa praxis e o nosso ” ser” continua, estranhamente atual.
Basta ler, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa ou Almeida Garret, por exemplo, para sentirmos que estruturalmente nada mudou e que as suas mensagens atravessam o tempo.
Desde a mesquinhez ou inveja que caracteriza muitos dos Portugueses, à tristeza na “alma” quando tudo corre mal ou à euforia desmedida nos momentos de sucesso ( em qualquer dos casos excessivos) até à economia política e à moral social que reina, comandando este povo raramente bem governado.
Vem isto, a propósito das medidas anunciadas pelo nosso primeiro- ministro, Dr Passos Coelho, na passada semana, as quais se integrarão no “ orçamento do estado Português “ para o ano civil de 2013.
Jamais, os nossos governantes tiveram a ousadia (mesmos aqueles que se encontram à direita do espectro político), de forma brutal, diria mesmo selvagem, de desqualificar e ofender o factor trabalho e concomitantemente proteger o factor capital.
A crise económica que vivemos, não teve génese em Portugal, e o seu nascimento centrou-se nos Estados Unidos da América, com a grave crise financeira provocada inicialmente pelo “ sub-prime”, cujas responsabilidades são totalmente atribuídas a muitas Instituições Financeiras Americanas, sem escrúpulos, cuja ânsia de lucro não tem limites no universo.
Da crise financeira à crise económica e monetária foi um pequeno passo à escala mundial, com maior enfase para a Europa e para parte do continente Americano.
E aqui estamos, com uma das maiores crises de dívida pública, de dívida externa, de desequilíbrio orçamental, de desemprego e de crescimento económico que há memória nos tempos mais recentes, sem que possamos afirmar da inculpabilidade de governos de centro de direita ou de esquerda.
Mas quem paga, essa crise?
Há uns anos atrás estruturas políticas da esquerda mais radical, tinham um slogan “ os ricos que paguem a crise “, hoje a direita não utiliza slogan, mas apenas o comportamento de “ser muito forte com os fracos e muito fraco com os fortes “ .
Se esta direita que se instalou no poder pelo poder, que em campanha eleitoral “ gritou “ que não tocaria nos salários, não levou muito tempo a fazer tudo o que tinha negado.
Para chegar ao poder tudo vale e a isso chamamos hipócrisia e pessoas sem escrúpulos e talvez o povo seja mais simples chamando-os de mentirosos ….
O slogan desta direita insensível às pessoas e ao sofrimento humano, se fosse apregoado, seria outro : ” a classe média e os trabalhadores que paguem a crise, proteja-se os ricos “.
Não está, nem nunca esteve em causa, o esforço coletivo de defender a nossa soberania, o que engendra quer queiramos ou não, politicas económicas, orçamentais, sociais, regionais ( esqueçamo-nos das politicas câmbiais e monetárias das quais já não somos soberanos ) e outras, que implicitamente nos coagem à austeridade económica, social e cultural.
O que está em causa é a equidade ( ekwiddád ) do latim equitas, átis – justiça natural; virtude daqueles que nos seus atos e julgamentos reconhece igual ou com imparcialidade o direito de cada um.
E não apenas a equidade entre trabalhadores ( factor trabalho ), mas também aquela que concerne ao esforço que deveria ser implementado no factor capital.
Estranhamente colegas meus, vem a público afirmar que os salários pagos na função pública são ligeiramente superiores ao setor privado, sem proceder a uma análise mais fina do que afirmam.
Sem dúvida que os profissionais menos qualificados da função pública serão relativamente melhor pagos que o setor privado, o que não é muito difícil, pois mesmo ganhando pouco, tem remunerações um pouco superiores ao salário mínimo nacional, cujo patronato privado ( e não digo empresariado ), teima em pagar o mínimo legal, para engordar os seus lucros ou para suportar a sua atividade de pouco valor acrescentado e portanto de pouco valor económico.
Mas a função pública não são só trabalhadores pouco ou não qualificados. No setor empresarial do Estado e no setor publico administrativo, trabalham profissionais altamente qualificados, ciêntistas, gestores, investigadores, professores, médicos, biólogos, veterenários, geólogos, arquitetos, economistas, agrónomos, químicos, físicos, sociólogos, juristas etc, e a maioria desses profissionais tem vencimentos inferiores ao setor privado, para funções semelhantes .
Portanto, tomar o todo pela parte, não é uma prática muito ciêntifica e só pode ser justificada pela miopia que o desejo de argumento ideológico produz.
Há economistas e economistas.
Há correntes ideológicas na ciência económica ( classicos, néo-classicos e novos clássicos, os Keynesianos, marxistas, intitucionalistas, monetaristas entre outros ).
Arthur Laffer, o guru da economia da oferta, que inspirou a política de Ronald Reagan nos anos 80 afirmava que “demasiado imposto mata o imposto”.
Uma taxa de imposto demasiado elevada desencoraja o investimento e a atividade económica.
Se o esforço requerido aos trabalhadores da função pública e aos trabalhadores do setor empresarial do estado é já se si iníquo, muito mais o é quando comparado com o esforço de participação nacional dos outros trabalhadores do setor privado e muitíssimo, mais ainda quando confrontado com esforço quase inexistente dos rendimentos do factor capital ( rendas, juros e lucros).
Existem dois paises económicos, por um lado, um formado pelos agentes económicos, Estado e Instituições Financeiras que se protegem mutuamente, porque vivem em “osmose” ( a estes ainda se podem juntar algumas grandes empresas, que vivem em quase monopólio ) e por outro lado, os outros agentes económicos, a maioria das empresas e as famílias condenados a pagar a crise, que outros criaram.
O aumento da taxa social única agora separada com a contibuição igualitária de 18% , tanto para o beneficiário ( trabalhador ) como para o contribuinte ( empresas ) faz aumentar a favor do estado a comparticipação para 36%, contra os 34,75% anteriores ( aumento arrecadado pelo estado de 1,25%) aumentando ” cetaris paribus ” a carga contributiva de quem trabalha, aliviando as empresas.
O estado arrecadará , assim, aos trabalhadores, mais :
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2800 milhoes de euros ao trabalhadores do setor privado
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1800 milhões de euros à função pública e ao setor empresarial do estado
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1260 milhões de euros aos pensionistas
Isto é, o Estado retira aos trabalhadores mais 6860 milhões de euros em 2013.
Em contrapartida alivia as empresas e as Intituições Financeiras em – 2300 milhões de euros
Em resumo, o agente económico estado, continua a olhar para o seu ” umbigo” tirando ao fator trabalho, e distribuindo o que cobra a estes, por si e pelo fator capital.
A revolução ideológica, está em marcha. A direita política, está a realizar em meses aquilo que sonhava há anos : facilitar os despedimentos, diminuir o rendimento disponivel de quem trabalha por conta doutrem, fingir desconhecer existência de uma constituição e de qualquer decisão do tribunal constitucional, proteger a Banca e os grandes grupos económicos, não tomando medidas anti-monopolistas para que a economia de mercado funcione, o que é ” per si” politicamente criminoso.
Não conhecemos medidas relevantes de renegociação das parcerias público privadas (PPP), nem no corte daquilo que dizem ser as “gorduras do estado”, nem do corte aos beneficios às mais de 800 fundações que proliferam no país, nem medidas relevantes para taxar as transações financeiras, etc.
Para o nosso Governo renegociar contratos com o fator capital ( PPP e outros ) é muito difícil, porque os contratos são complexos e porque o Estado deve cumprir e respeitar o que assinou.
Mas os contratos de trabalho, esses sim ! O Estado assume o papel de rasgar qualquer contrato e desresponsabiliza-se de cumprir o que acordou.
Nunca foi tão claro que este governo é ” forte com os fracos e fraco com os fortes “.
Com estas medidas vamos criar mais ricos ou ajudar a enriquecer mais aqueles que já o são, à custa da classe média e daqueles que vivem do trabalho por conta doutrem, verdadeiro objetivo da direita “provinciana” que se veio instalar em Lisboa, cercando os ministérios e cedendo favores do estado ( que é de todos nós ) a alguns poderosos interesses económicos e financeiros.
As micro, pequenas e médias empresas, são as responsáveis por 97% do emprego em Portugal, que agora serão aliviadas em 5,75% da remuneração dos seus funcionários, relativos à contribuição para a segurança social, mas como o consumo interno terá uma redução muito relevante, em função da diminuição do rendimento líquido das famílias, muitas destas empresas irão descer as suas vendas e na maior parte delas a aflição e incapacidade de sobrevivência, ditará a sua insolvência, jamais criando emprego.
Só as grandes empresas lucrarão e sem criar emprego.
As empresas que não concorrem, oligopóleos, monopólios ou quase monopólios, trusts (escondidos), essas sim, toda a politica fiscal e não só, as fortalecerá.
Confesso que não sou adepto da escola monetarista.
Milton Friedman, percursor do liberalismo económico ( laissez faire laissez passé ), nunca teve uma ideia para a defesa de mercado de livre concorrência.
O liberalismo económico transforma a grande virtude da economia de mercado, que só funciona bem, em concorrência perfeita, numa economia de concorrência imperfeita a caminho do caplitalismo selvagem.
É por isso, que a intervenção do estado é essencial, nomeadamente através de medidas anti-monopolisticas.
Prometo para outra oportunidade, se a Direção do Quantum-Explicações me autorizar, escrever neste site, sobre a temática do favorecimento do Estado, (ideológicamente de direita) aos poderosos grupos económicos desprotegendo quase completamente aqueles que funcionam em concorrência perfeita e as famílias, que são a ” fortaleza” da economia de mercado e da própria democracia.
Quantos pobres são necessários para se produzir um rico?
Almeida Garret
Nuno Mendes Lopes
Economista – Professor e Administrador de Empresas